domingo, 24 de novembro de 2013

HIPERTROFIA MIOFIBRILAR VS HIPERTROFIA SARCOPLASMÁTICA



HipertrofiaA ideia de que existem dois tipos diferentes de hipertrofia, nomeadamente a miofibrilar e sarcoplasmática difundiu-se de forma tão massiva entre a população e inclusive entre os profissionais da área, que neste momento praticamente toda a gente acredita nisso. Mas será verdade?
No mundo da musculação e do desporto em geral, existe a crença de que certos tipos de treino podem influenciar e potenciar mais o crescimento de um desses dois componentes do que outro.
A crença é que o treino pesado com poucas repetições favorece o crescimento das miofibrilas e desenvolve músculos que são tão fortes e “funcionais” como parecem, senão até mesmo mais fortes.
Em contraste, afirma-se com frequência que o treino com um maior volume e mais repetições (métodos de treino de culturismo) favorece o crescimento do sarcoplasma. Uma vez que o sarcoplasma é composto por fluido sem capacidades de contração, é supostamente possível ganhar bastante tamanho muscular sem qualquer aumento da força.
Este é considerado o responsável pela força não funcional atribuído aos métodos de treino de culturismo, que supostamente desenvolve músculos que não são tão fortes como aparentam ou músculos que são lentos e sem capacidades atléticas.
E portanto a ideia dos diferentes tipos de hipertrofia é algo do gênero:
  • O típico treino de força/powerlifting com cargas elevadas e um número reduzido de repetições provoca preferencialmente a hipertrofia miofibrilar.
  • O típico treino de culturismo/resistência com cargas mais leves e um número mais elevado de repetições, estimula preferencialmente a hipertrofia sarcoplasmática.

O QUE SÃO AS MIOFIBRILAS E O SARCOPLASMA?

  • As miofibrilas são basicamente os componente contráteis das fibras musculares, compostas por proteínas tais como a actina, a miosina. Os músculos contraem-se, fazendo deslizar os filamentos finos (actina) sobre os filamentos grossos (miosina).
  • O sarcoplasma é basicamente o conteúdo semilíquido que rodeia as miofibrilas. É comparável ao citoplasma de outras células, mas contém quantidades mais elevadas de glicossomos (grânulos de glicogénio armazenado) e quantidades significativas de mioglobina, uma proteína de ligação de oxigénio e cálcio.fibra muscular

O QUE ACONTECE NA REALIDADE?

No entanto, quando examinamos esta crença de forma crítica, a ciência demonstra que o tamanho do sarcoplasma é limitado pelo tamanho das miofibrilas.
Por outras palavras, a quantidade de sarcoplasma que uma célula muscular é capaz de conter, é limitada pelo tamanho da miofibrila dentro dela.
Para além disso, mais de uma mão cheia de estudos tentaram diferenciar a hipertrofia miofibrila da hipertrofia sarcoplasmática com diferentes protocolos e parâmetros de carga.
Em cada um desses estudos, a hipertrofia miofibrilhar ocorreu sempre numa quantidade bastante superior, tipicamente por uma margem 2-3 vezes superior. Para além disso, parece que é impossível aumentar o conteúdo de sarcoplasma das células musculares sem que ocorra também o crescimento miofibrilhar, independentemente das estratégias que forem usadas.

ENTÃO POR QUE MOTIVO É QUE TREINOS DIFERENTES PROVOCAM ADAPTAÇÕES DIFERENTES?

Os aumentos dos níveis de força não associado à hipertrofia muscular dos indivíduos que treinam com repetições baixas parecem ser sobretudo devido:
  • Melhoria da coordenação e controlo muscular.
  • Aumento da saída de sinais a partir dos centros supra-espinhais, tal como sugerido pelas descobertas com contrações imaginárias.
  • Um maior nível de ativação dos músculos sinergistas e agonistas.
  • Redução da activação dos músculos antagonistas
  • Melhoria do acoplamento dos interneurônios da coluna vertebral que produz uma melhoria dos sinais.
  • Alterações na condução descendente que reduzem o défice bilateral
  • Entrada compartilhada para os neurónios motores, o que aumenta a sincronização das unidades motoras.
  • Níveis mais elevados de activação muscular (EMG).
  • Aumento da excitabilidade e alterações das conexões dos neurónios motores
Das adaptações descritas acima, a coordenação básica entre os músculos é o maior responsável pelos ganhos de força não relacionados com a hipertrofia.
Em relação ao aumento da resistência, esta parece estar associada sobretudo ao:
  • Aumento da densidade capilar.
  • Aumento do volume do número de mitocôndrias
  • Aumento da atividade de enzimas oxidativas e glicolíticas.

ENTÃO PORQUE É QUE ALGUMAS PESSOAS PARECEM FRACAS PARA O TAMANHO QUE TÊM?

Existe uma razão primária para as pessoas que treinam com um número elevado de repetições parecerem fracas para o seu tamanho…
É que raramente praticam o levantamento de pesos máximos, por isso não são tão boas a levantar pesos máximos. A força máxima é uma habilidade que tem que ser praticada, tal como os movimentos desportivos são habilidades que têm que ser praticados.
Também é possível ver isto a acontecer ao contrário. Se pegar num culturista que faz séries de 15-20 repetições e um powerlifter que faz regularmente séries de 1-3 repetições, o culturista irá ter grandes dificuldades em conseguir realizar as séries de 1-3 Repetições Máximas, mas o powerlifter também irá provavelmente ter dificuldades em realizar séries com um número elevado de repetições.
Vale a pena notar que o treino com pesos é apenas uma forma de esgotar as reservas de energia musculares e de estimular o aumento do armazenamento de glicogénio. Qualquer pessoa que realize mais que algumas horas de exercício por semana, especialmente um desporto que incorpore algum tipo de corrida, já estará a estimular essas adaptações.

CONCLUSÃO

A ideia de que existem dois tipos diferentes é tão antiga e já está tão consolidada entre os praticantes e profissionais da área, que muito dificilmente se conseguirá corrigi-la.
No entanto, torna-se necessário adequarmos as nossas crenças de acordo com os conhecimentos científicos vigentes e atuais de forma a não formarmos parte da cadeia que perpetua e transmite informações erradas.
Afinal de contas, a ideia de que existem dois tipos diferentes de hipertrofia, não tem absolutamente nenhum tipo de suporte científico.